Portanto, quando Ele mandou orar para evitar a tentação, com isto não ensinava nem a devoção neurótica (orar contra a tentação), nem a atitude paranóica (poderei ser atingido pela tentação a qualquer momento). Sim, porque o que Ele ordena é que se encha a mente de oração, de um falar constante com Deus, e que nada mais é senão um falar consigo mesmo em Deus; de tal modo que o pensar não é de si para si, mas acontece em Deus, vivendo assim em permanente estado de conferência com Ele; em tudo. Além disso, no Pai Nosso, Ele vincula o “não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mau” — ao contexto antecedente, que fala de estar cheio e tomado pelo Pai, pelo desejo de que Seu nome seja em nós santificado, que sei reino cresça em nós (venha!), que a vontade Dele tenha seu lugar e chão em nós; além de nos remetar para a busca do que é do céu aqui na Terra.
Assim, uma das maiores prevenções contra a tentação tem a ver com uma devoção profunda e não neurótica; posto que se propõe a buscar o que é maior e mais elevado, ao invés de se deixar tomar pelo que aqui da Terra. Botar as coisas da Terra sobre aquilo que é eterno, é o que abre o espaço existencial maior para a tentação. Portanto, “orai...”, diz Ele, para que não se caia em tentação! É esse orar aquilo que mais e melhor previne a estação das tentações. Todavia, se alguém decide orar contra ou por causa da tentação, mais tentado ainda ficará; posto que a tentação, pela via da oração e por ela própria, se torna algo “fixo como pensamento”, e que apenas cresce mais e mais em nós.
Este tema da tentação é interminável, como infindáveis são as pulsões de tentação humana. Entretanto, sendo simples e prático, eu digo que o que de melhor se pode fazer por si mesmo na hora da tentação, não é pensar que podemos vencê-la, mas sim que não temos o poder, em nossa carne, para combatê-la. E, assim, sabendo disso, virmos a descansarmos em relação à tentação, pois ela se alimenta de nossa luta contra ela. Afinal, o que não pode ser vencido pelas nossas próprias forças, havendo confiança na Graça, já deveria estar vencido como ansiedade em nós; pois, se não posso, por que se afligir com tal impossibilidade? Assim, é esse cinismo santo para com o poder da tentação, e que resulta de nossa confiança na Graça de Deus, aquilo que deve tirar o poder da ansiedade e do medo pelo qual a tentação cria metástases em nossa mente, em todo o nosso processo de pensar. Quanto mais se enfrenta a tentação como tal, mais ela cresce em nós; e se orarmos contra ou em razão dela, mais ela se "fixa" em nós; tornando-se uma devoção diabólica; fazendo-nos “orar” contra aquilo que só se torna o que tememos quando é tratado como tal.
A única maneira de enfrentá-la é deixando-a rouca, falando sozinha, sem resposta nossa, enquanto nos desobrigamos de conversar com ela... ou de respondê-la... ou de mostrar para Deus e para nós mesmo que temos "o poder do livramento"... e que por isto a venceremos. Isto porque o “poder do livramento” do qual nos fala Paulo, escrevendo aos Coríntios, só se efetiva na vida daquele que descansa no livramento que já é; e que não apenas será se o tornarmos real por nossas próprias forças!
Quando se confia na Graça e no amor de Deus por nós, toda tentação perde seu poder; e se descansarmos na certeza de que Jesus já foi também tentado por nós, conhecendo cada uma de nossas fraquezas ou tendências, mais vicária e transferível, pela fé, será a vitória de Jesus em nosso favor. Se houver confiança e descanso, é claro! Desse modo, descansando é que se vence a tentação, confiando na fidelidade e na imutabilidade do amor de Deus. Pois só assim recebemos o poder de resistir, ou de suportar a tentação; posto que desse ponto em diante as tentações deixam de ser “sobre-humanas”, e se tornam apenas humanas; e, portanto, reduzidas ao nosso próprio nível, deixando de ser um poder irresistível. Paulo e Hebreus ensinam que as tentações não suportam o nosso silêncio confiante na Graça; assim como não suportam nosso descanso na Cruz de Cristo. Afinal, o “Está Consumado” vale também para as tentações.
As tentações crescem na medida em que nossas pulsões psicológicas, provocadas pelas nossas próprias cobiças (insegurança essencial) — e que são os agentes progenitores do que chamamos tentação —, se aninham e se fixam em nós como medo de Deus e de Sua punição. Sim, por essa via elas apenas aumentam, visto que tal realidade existencial e psicológica aceita a provocação do "medo de estar sendo tentado". Do mesmo modo elas crescem em razão de nosso de-bate com elas.
Tentação come medo; e se alimenta do seguinte cardápio: oração amedrontada, de-bate psicológico,
discussão com ela, medo de Deus; e também de seu oposto, que é a arrogância que julga que por força própria se pode vencê-la. Quem já não tem justiça própria, não tem mais assunto com nenhuma tentação! "Vamo-nos daqui... Aí vem o principe deste mundo, e ele nada tem em mim..." — disse Jesus. O principe deste mundo se alimenta do que “ele tem em nós”! Assim, como há muita cobiça e outras loucuras em todos nós, o melhor a fazer é confiar Naquele em quem o tal “principe” nunca teve NADA: Jesus. Parece coisa boba, mas não é!
Quem desejar, pratique; e verá como as tentações não suportam a confiança e o descando na Graça;
e isso em silêncio que nem ora contra... mas apenas ora em gratidão! O grande problema é aprender isto como confiança, e não como “teoria”. E mais: aprender a ser grato e natural com Deus mesmo em tais horas críticas. Quando a gente aprende isto, ela, a tentação, ao chegar, começa a perder o poder; posto que se alimenta de nossas importâncias; e sobretudo de nossa justiça-própria, de nossa necessidade de dar explicações a nós mesmos e aos céus; e, sobretudo, do medo de estar sendo tentado!
Caio Fábio
www.caiofabio.net
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