Estava na casa de um amigo esperando pela pizza que seria nosso jantar quando fiquei sabendo que iria escrever esta matéria. Quase que involuntariamente, desbloqueei meu celular, cliquei no ícone de e-mail e deslizei a tela para baixo para atualizá-lo. Na mesma hora, já tracei mentalmente a lista das pessoas com quem deveria entrar em contato e as informações que precisava buscar. Tinha de falar com os autores da pesquisa, que eram norte-americanos. Que horas seriam nos Estados Unidos? O melhor era mandar um e-mail naquele momento, só por via das dúvidas. Durante a meia hora seguinte, esqueci meu amigo e a minha fatia de pizza esfriando no prato até que finalmente me dei conta de que a minha reação era o retrato perfeito do tema sobre o qual deveria escrever: precrastinação.
Ao contrário do procrastinador, o precrastinador sempre prefere começar a realizar uma tarefa assim que a recebe. Se o lema dos procrastinadores é o famoso “por que fazer hoje o que posso fazer amanhã?”, o de um precrastinador seria algo como “por que fazer amanhã aquilo que posso fazer neste exato momento, agorinha mesmo?”. Se não estivesse escrevendo sobre o assunto, certamente nunca pensaria em mim como uma precrastinadora, palavra que ainda não está nem no dicionário. Provavelmente teria até dificuldade de acreditar que pessoas assim de fato existem. Mas um estudo da Universidade Estadual da Pensilvânia acaba de mostrar que elas existem, sim — e são muitas.
A princípio, a ideia dos cientistas era avaliar como as pessoas preferem realizar tarefas que envolvam esforço físico. Eles pediram que voluntários carregassem um balde até o fim de um corredor da maneira que lhes parecesse mais eficiente. Os participantes tinham duas opções: carregar um balde que estava mais perto do início do corredor ou um outro mais próximo do ponto final. E, para a surpresa dos próprios pesquisadores — que acreditavam que o balde mais perto do fim seria o escolhido por demandar menos esforço —, a maioria simplesmente preferiu pegar logo o que estava mais à mão.
A justificativa foi quase unânime: os voluntários queriam “se livrar rápido daquilo”, e explicaram que carregar o balde desde no início dava a impressão de que estavam começando o trabalho mais cedo e que, portanto, completariam a tarefa em menos tempo (o que evidentemente não é verdade). “Um precrastinador tende a iniciar tarefas rapidamente, mesmo que isso traga desvantagens”, explica Cory Potts, um dos autores da pesquisa. Se você começa a trabalhar antes mesmo de receber todas as instruções e depois precisa refazer boa parte do que já tinha feito, ou paga as contas antecipadamente e com isso perde possíveis rendimentos, é provável que você seja um precrastinador.
Embora seja uma novidade para a comunidade científica, Potts afirma que o comportamento em si não é novo — o que aconteceu é que a tecnologia reforçou alguns hábitos dos precrastinadores. “Se você está num jantar e seu chefe lhe envia um e-mail ou uma mensagem de texto, você continua a socializar ou resolve as questões do trabalho? Se você é um precrastinador, será uma decisão difícil.”
Ironicamente, a explicação para o comportamento de precrastinadores e procrastinadores é a mesma: a maneira como cada um lida com a ansiedade. O professor Timothy Pychyl, da Universidade Carleton, autor do livro Solving the Procrastination Puzzle (Resolvendo o Quebra-cabeça da Procrastinação, ainda sem edição em português), afirma que a procrastinação é a forma encontrada pelas pessoas para não lidar com sensações desagradáveis durante o processo de realização da tarefa. A mais comum é a ansiedade, e é aí que entra a precrastinação. Ao contrário de um procrastinador, que adia a tarefa com receio de não ser capaz de cumpri-la, o precrastinador completa o trabalho o mais rápido possível por medo de imprevistos. Mas Pychyl é cético em relação à existência de precrastinadores: “O que os colegas chamam de precrastinadores, eu chamaria de ‘pessimistas defensivos’. Eles só têm medo de que algo dê errado, e, por isso, querem resolver tudo rapidamente”.
Questionamentos à parte, o simples surgimento do termo serve como impulso para que mais pesquisas na área sejam realizadas. Os próprios autores desse primeiro estudo ainda buscam compreender melhor os riscos do comportamento apressado de precrastinadores no dia a dia e definir até que ponto eles são de fato mais eficientes. Por enquanto, eu e outros tantos precrastinadores continuaremos ansiosos para completar nossas tarefas (esta matéria ficou pronta cinco dias antes do prazo), mas talvez a reflexão sobre o assunto pelo menos sirva para pararmos de checar e-mails durante o jantar.